segunda-feira, 17 de junho de 2013

Inesperado!

  Eis que aqui estou eu, atirada em cima de minha cama, praticando um verdadeiro culto. Um culto ao ócio. O fato é que trabalhei e estudei a semana inteira. Como hoje é domingo, mereço descansar. Mereço usar aquela roupa rasgada, velha, puída, de dez anos. Estou vestindo uma calça de abrigo e uma blusa sem a gola, cortada por mim. Estico o braços para o alto, espreguiçando-me. Que coisa boa! São onze horas da manhã, o que significa que aproveitei bem a noite - dormindo.
 Levanto-me e encaro o espelho. Meus cabelos roxos - sinal para muitos de moça rebelde - estavam completamentente desgrenhados, formando uma maçaroca de dar medo em qualquer pente. Mesmo as corajosas escovas sairiam correndo, se pudessem. Percebo que esse roxo, esse lilás com tons azul-rosados, constrastam bem com meus olhos, verdes. Pena que o orgulho que sinto ao olhar meu rosto não é o mesmo que sinto ao olhar meu corpo: do pescoço para baixo, eu sou uma tábua. Literalmente. Não é exagero.
 Arrasto meu corpo em passos pesadões até a sala. Que droga ter de levantar. Chego na cozinha e percebo que o café já está pronto. Mãe, nessas horas eu te amo muito.
 Minha mãe está de costas, arrumando a cozinha para fazer o almoço. Ouvi um zunido irritante. Ops. É a voz a da minha mãe. 
 -  Cíntia, quantas vezes vou ter de dizer? Arrume-se, menina! E se o seu príncipe chegasse agora?
 Soltei uma gargalhada de escárnio.
 - Nem é preciso muito para fugir de mim. De que adianta eu me arrumar? - cuspo as palavras no meio da mastigação. Eita pão fofo. Droga. Grudou.
 - E esse cabelo roxo? Eu te criei para isso? - Ela tocou no meu cabelo. Todo final de semana era a mesma coisa. Ela tinha os cabelos loiros e os olhos verdes também. Mesmo casada, sempre tivera muitos pretendentes. Ter uma filha como eu deveria ser uma grande decepção em termos de fotogenia. 
 Faço uma careta. O pão continua grudado. 
 Ouço o som da campainha. Diabos, quem tem coragem de visitar uma pessoa à essa hora da madrugada? Sem pensar, levanto furiosa, pronta para tomar satisfações do ser incivilizado que bate à minha porta. 
 Abro-a com todas as forças.
 Ali, parado, segurando uma pizza, está o cara mais bonito do mundo. Ele me dá um sorriso que faz com eu queira, definitivamente, agarrá-lo.
 - Cíntia, é a pizza? Pegue logo,menina, eu estou com fome! - Minha mãe grita da cozinha.
 Acordada, puxada, estapeada por essa realidade, pego a pizza, lamentando não estar arrumada o suficiente. Na nota de vinte reais que entrego a ele, tenho o cuidado de anotar meu celular. O moço estranhou, claro, quando eu rabisquei a nota. Mas ele não deixou de sorrir.
 Observo-o ir embora pelo vão da porta. O pão ainda está grudado. Percebo que ele, antes de tomar o elevador, guarda a nota no bolso esquerdo da camisa xadrez, junto ao seu coração.

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